Durante décadas, viver o american way of life (o tal “modo de vida americano”) foi o desejo de muitos brasileiros que imaginavam como seria a vida em um modelo perfeito de sociedade.
Esse sonho alimentou algumas gerações, que viam nos Estados Unidos da América (EUA) o lugar ideal, onde todos teriam as mesmas oportunidades e poderiam ascender socialmente, bastava que houvesse esforço e perseverança. A pretensa “mobilidade social” seria a base desse sonho.
A surpreendente ascensão do candidato independente Bernie Sanders, na disputa pela vaga do Partido Democrata nas eleições à presidência dos Estados Unidos em 2016 e em 2020, demostrou duas coisas muito claras: o sonho americano está se esfacelando, e nem os próprios americanos aguentam mais isso.
O tipo de sociedade atual desse país está criando um bolsão de injustiças e exclusões cada vez maior. Mas essa realidade acaba sendo filtrada, principalmente pelos veículos brasileiros de notícias, porque para a corrente liberal de pensamento político e econômico, esse ainda é o modelo a ser seguido – e implementado.
Entretanto, a realidade lá é muito diferente. Em um país onde a meritocracia é base fundamental para o processo de inserção social, o fracasso – profissional ou pessoal – não é aceito. Isso reflete, inclusive, no número de suicídios, que é o terceiro maior do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os problemas sociais também são consideráveis. Os Estados Unidos possuem a maior população carcerária do mundo, 16 milhões de crianças vivem no limite da segurança alimentar, a maioria das mulheres não consegue licença-maternidade remunerada e não há atendimento púbico gratuito de saúde. Para muitos, isso não é sonho, é pesadelo.
Mas o que a pré-candidatura de Bernie Sanders significava nesse sentido?
Um dos motivos que tem alavancado a campanha de Sanders era a crítica ferrenha ao desregulado sistema financeiro norte-americano que, livre, leve e solto, e na base de muita fraude e corrupção, criou a enorme crise econômica global, que iniciou em 2008 e tem ecos ainda hoje no planeta.
O mais surpreendente é que Sanders se autodenomina um socialista democrático e usa sem medo a palavra socialismo para definir a base de sua plataforma política. Isso em um país que viveu a paranoia da Guerra Fria desde os tempos de disputa geopolítica com a antiga União Soviética.
Atualmente, Sanders representa uma parcela considerável de norte-americanos que não suporta mais o peso do “modelo de vida americano” (o tal american way of life). Este que estabelece você só tem acesso àquilo que puder pagar, incluindo saúde básica e educação de qualidade.
Estima-se que 20% dos americanos com mais de 50 anos têm dívidas estudantis. Muitas acima dos US$ 500 mil.
A busca por status e aquisição de produtos é central nesse modelo. Aqueles que não atingem este objetivo sofrerão arduamente. E nisso, muitos já não estão mais dispostos a acreditar como verdade absoluta.
Sanders era a verdadeira mudança
Tanto em 2016 como em 2020, a candidatura de Sanders não prevaleceu, porque em ambas situações ele enfrentou oponentes de peso.
Em 2016, Hillary Clinton carregava toda a força do nome e tinha apoio dos políticos tradicionais do partido, além de ter muito mais recursos financeiros para fazer campanha, parte proveniente de grandes corporações. Sua escolha foi um erro estratégico, que gerou uma surpreendente derrota para o falastrão Donald Trump.
Em 2020, a disputa interna foi contra o ex-vice presidente de Barack Obama, Joe Biden, que também tinha apoio do núcleo duro do partido.
Apesar de não conseguir a nomeação, Bernie Sanders representa a voz das parcelas insatisfeitas, tinha apoio de entidades sindicais de peso, e não recebeu contribuição financeira de empresas privadas.
Seu apoio veio dos ecos causados pelo movimento Ocuppy Wall Street, que surpreendeu o mundo em 2011 ao contestar o acúmulo da maioria das riquezas do mundo por apenas 1% da população. O movimento também questionava o tal american way of life.
Sanders representa um projeto muito diferentes dentro do partido Democrata, até porque ele originalmente foi eleito senador independente por seu estado, Vermont.
American Way of Life estilo brasileiro
Enquanto isso, aqui no Brasil, aqueles que ainda propagam o mito da felicidade norte-americana decorrente do modelo “ideal” de sociedade, tentam nos convencer de que o capitalismo pregado por lá seria capaz de garantir a todos um lugar ao sol e que, por isso, deveria ser implementado aqui também.
Dessa forma, esperam que o terreno para implementação das políticas liberais esteja sempre fértil.
É óbvio que, comparado a muitos outros países, eles ainda estão em situação mais favorável, mas isso tem muito a ver com as condições históricas em que se deu o processo de colonização, e como eles acumulam riquezas (fazendo guerras, pressionando outros países a ceder em negociações, chantageando…)
É claro que certamente há pontos benéficos, que devem servir de exemplo para outras nações. Mas acreditar que o american way of life representa um modelo perfeito de sociedade, nem eles acreditam mais nisso.
Guilherme Mikami é jornalista, cientista político e diretor da agência Abridor de Latas
Quer conhecer outras reflexões sobre a sociedade? Clique aqui
Como as campanhas sindicais podem mudar o rumo do Brasil
Por que a esquerda tem menos “cultura de engajamento” do que a extrema-direita?
Medo e paranoia: a tática de comunicação de Bolsonaro desvendada
[eBook] Direitos trabalhistas têm história, não caíram do céu!
8 formas de a grande mídia atacar (disfarçadamente) os trabalhadores
A educação é estratégia para a emancipação dos trabalhadores
Por que os governantes do Brasil estão contra os trabalhadores?
4 motivos que comprovam que a luta de classes existe
Oi,
o que você achou deste conteúdo? Conte para a gente nos comentários.